Clube dos Carecas
Nunca
liguei muito para cabelos. Quando vi um
primo, que tem o meu jeitão, ficando careca há muitos anos, entendi que eu
estava no mesmo caminho. Tempos depois, os cabelos foram rareando, e eu fiz e
continuo a fazer pouco caso disso. Lendo algo a respeito, encontrei a
informação de que o Regaine, usado regularmente, fazia os cabelos crescerem.
Comprei um vidro e fui usando. Achei muito caro; é que, com o mesmo valor, eu
compraria uma garrafa de vinho. Quando acabou o vidro, me parecia que havia
algumas penugens aparecendo. Pensei: gastar meu dinheiro? Pra que eu quero
cabelo? Não mais o comprei, e a coisa evoluiu naturalmente.
Passei a
fazer brincadeiras e gozações com os carecas. Uma grande parte dos homens sofre
frustrações e são vulneráveis ao bulling.
Eles sofrem por não ter cabelos.
Em
Itanhém, encontrei um deles, na última vez que estive na cidade. Para
descontraí-lo, disse-lhe das vantagens de ser careca: o careca não tem caspa,
não pega piolhos, pode comprar pentes banguelas (sem dentes – não necessita
deles, por isso ficam mais baratos) e ainda pode pagar meia, quando munido de
um cartão de sócio do Clube dos Carecas, naquelas barbearias conveniadas. Ele
ria muito e me peia para enumerar, mais uma vez, as grandiosas vantagens de ser
careca.
Acho
sempre caro e desproporcional o fato de um barbeiro cortar os cabelos de um
careca cobrando o mesmo valor que cobra de um cabeludo.
Passei a
frequentar barbearias baratas tanto para economizar quanto pelo desaforo de ter
que pagar inteira a quem trabalha pela metade. Sobre essas barbearias, tenho
muitas estórias para contar Talvez ainda volte a falar delas.
Numa das
últimas vezes, após o serviço, paguei cinquenta reais para tirar vinte gramas
de cabelo. Um desaforo!
Estando
no Iguatemi comprando um ar-condicionado Split, lembrei-me de que me falaram de
uma barbearia na estação transbordo. Tomei as precauções, colocando o relógio
no bolso de trás, segurando a carteira e olhando para todos os lados. Fui
procurar a dita barbearia.
Acho
sempre caro e desproporcional o fato de um barbeiro cortar os cabelos de um
careca cobrando o mesmo valor que cobra de um cabeludo.
Chegando,
o barbeiro, um senhor alto, de barbas crescidas em desalinho, trajava uma
bermuda com bainha esfarrapada. O chão estava cheio de papel higiênico e muitos
cabelos. Estava terminando o corte de cabelo de um mulato, bem baixinho e
desenhado à navalha. Havia um senhor sentado em uma cadeira. Havia outra, vazia
com um encosto que eu não sabia bem que
função tinha.
Eu
perguntei se havia vaga para fazer o meu corte.
- Há dois
na sua frente, mas é rápido!
Eu
estranhei porque só havia um esperando. Depois, ele explicou:
- Este
aqui (cujo corte estava finalizando), e aquele senhor ali – aprontou para um
senhor sentado numa cadeira.
Calado,
me sentei na cadeira vazia. E, ao passar os olhos, vi logo o preço: dez reais.
Ele, com
um celular pendurado no pescoço a balançar, os fones nos ouvidos, tocou a
conversar com alguém. Prometeu dar retorno. Ligou para outro, falou do
primeiro; acertaram alguma coisa. Retornou a ligação para o anterior, e tome
telefonema.
Logo, o
rapaz se levantou e perguntou ao barbeiro – que ainda limpava a camisa dos
cabelos caídos em suas vestes – ao mesmo tempo em que se dirigiu a mim:
_ Caspa
dá dor de cabeça?
Ele
estava com dor de cabeça danada, e a ela atribuía a sua origem.
Eu não me
manifestei. O barbeiro emitiu suas explicações cientificas.
O barbeiro
me pediu para me levantar e ocupar a cadeira daquele senhor que havia chegado
antes de mim. Ele havia se levantado. Após eu me levantar, me dei conta de que
o senhor da caspa iria lavar a cabeça, talvez para se livrar da dor de cabeça
que tanto o atormentava.
Os
cabelos estavam em diminutas dimensões. Nem entendi a razão daquele corte.
Dei um
sorriso, sem me manifestar a respeito da dor de cabeça do rapaz, que foi se despedindo, antes de
receber a resposta do cliente a ser tosquiado.
Sentou-se
o rapaz que esperava na minha frente. Pelo desenrolar do papo, percebi que era
soldado. O barbeiro perguntou se queria com máquina ou não. Após a confirmação,
foram discutir o seu número: primeiro, número dois, e depois, número três.
Nesse
meio tempo, apareceu senhor velho, com barba e cabelos enrolados, fazendo
reserva de corte. Papo aqui, papo acolá, tome telefonema, até que finalmente
acabou.
Antes
mesmo que o soldado fizesse o pagamento, o barbeiro já me pediu para sentar-me,
após virar a almofada, limpando-a com um sopro e com a mão. Olhei para a capa
que revestia os clientes, protegendo-o dos cabelos em quedas, após serem
tosquiados.
A túnica, num passado distante, fora grená,
talvez até branca. Atualmente, ele já estava escurecida nuns cantos, com as
cores esmaecidas em outros, a gola e as mangas puídas... A gola estava preta,
por conta dos suores dos muitos clientes que por ali passaram. Tive vontade de
sair correndo. Contudo ele pegou um papel higiênico, enrolou o meu pescoço e
pôs a capa por cima. Seguro pelo braço e com a capa sobre o corpo, não tinha
mais como sair. Deus é mais! Seja o que Deus quiser!
O
barbeiro me perguntou como eu queria o corte.
- Que
corte? Cortar o quê? Fizesse o pé e aparasse as pontas. Não cortasse muito,
senão acabava.
- Com o
pente e a navalha, tá bom? – Com o pouco caso que dou aos cabelos, respondi que
sim.
- Está
bom? – perguntou-me, após cinco minutos, talvez nem tanto.
- Está –
lhe respondi.
Levantei-me para pagar. Não tinha dinheiro trocado. Somente havia, na
minha carteira, uma nota de cem e outra
de cinco. Apresentei-lhe uma nota de cem.
- Não
tenho troco.
Ele deve
ter passado os olhos na minha carteira, visto que perguntou:
- O
senhor não tem miúdo, não tem uma nota de cinco reais?
Eu tomei
de volta os meus cem, peguei cinco reais e saí morrendo de rir. Afinal,
apareceu o primeiro barbeiro que dá desconto para careca. Vou inscrever sua
barbearia como conveniada do clube.
Texto
extraído do livro Estórias de Todo Dia, de autoria de Fernando Machado Couto,
médico, escritor
Digitado por Luzanira Fernandes
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