Desumanidade
ESTAVA A CONVERSAR COM MEU GRANDE AMIGO ZUT SEHIR,
EM seu escritório em Bagdad, quando um funcionário lhe
comunicou que a firma Aktar-Glan havia requerido a falência do Bazar Rosa Azul,
situado próximo. Fundava-se a medida, no fato desta firma não ter saldado seus
compromissos com a credora. Logo que o funcionário se retirou, meu grande amigo
Zut virou-se para mim e disse triste e aborrecido:
- Desumanidade!
Conheço o proprietário do Bazar Rosa Azul. Não vale mais ser homem de bem...
Não se leva mais em conta a situação momentânea de uma firma... não há contemporização.
Dizem que houve tempo em que se levava em conta a honestidade e a integridade
da pessoa para lhe ser concedido crédito, de modo que, quando havia um atraso
nos compromissos, supunha-se que houvera alguma dificuldade perfeitamente
justificável e o credor esperava. Suponha também que os credores tinham bons
lucros e lhes sobrava bastante capital para se conduzirem, antes, mas com
humanidade do que com legalidade. Haveria assim uma justiça justa a ser
acatada, antes de se recorrer à justiça legal. Já agora, como você vê, parece
que os critérios são outros. Na ânsia de vender, o fornecedor não procura
conhecer perfeitamente o comprador. Quer colocar a mercadoria, cobrir e
ultrapassar cotas de venda. Mas, a hora em que o prazo da fatura entregue
vence, ele quer receber e não pode esperar.
- Mas –
disse-lhe- por que o comprador não compra dentro das suas medidas, para evitar
passar por essas dificuldades?
_ Ora,
isso não é assim tão fácil – acrescentou Zut. – O varejista gostaria de ter, em
suas prateleiras, tudo que é vendável. Ele sabe que o seu capital não é suficiente,
por isso ele dá preferência ao mais procurado, mais vendável. Mas qual o
comerciante que consegue resistir à saliva de certos vendedores?
- Eu
penso – disse – lhe que, se o vendedor conseguiu forçar uma venda alta a um varejista,
além do que seria razoável, ele está moralmente incapacitado para executar ou
sequer apontar um título e muito menos, requerer-lhe a falência.
- Bem se
vê que você não entende nada de negócios, o que é uma felicidade. Na verdade,
os que enchem os varejistas de mercadoria em excesso ou pouco vendável
raramente executam ou protestam um pagamento. Esses, do mesmo modo que
chatearam o varejista até fazê-lo comprar, continuarão chateando, inclusive
visitando o cliente nos fins do dia e nos fins de semana, para receber logo por
conta do que forneceram. Mas raciocine agora, que é do capital para pagar os
que não forçaram venda, os que vendiam produtos de lei? Está todo diluído em
mercadoria de menor rotatividade, talvez até de maior margem de lucro aparente,
mas de pouca saída. Vai então o comerciante atrasar o pagamento das firmas
fornecedoras da mercadoria de atrasar o pagamento das firmas fornecedoras da
mercadoria de boa saída e essas, verificando que a sua mercadoria já não existe
naquelas prateleiras e a fatura não lhes foi paga no dia, perdem a consideração
e a executam.
- Se o sujeito já vendeu a mercadoria à vista, então
já deveria ter o dinheiro para liquidar a fatura!
- Não,
não tem, justamente porque o seu pequeno capital, como já lhe disse, está quase
todo empregado em mercadoria de pouca rotatividade, embora de margem de lucro
maior. E foi justamente essa vantagem de uma margem de lucro maior que o fez
adquirir tais produtos. Como lhe disse inicialmente, torna-se difícil ao
comerciante, especialmente ao pequeno comerciante, que acumula sobre si o peso
da compra, da administração, do pagamento de impostos, etc., resistir à pressão
da saliva de um hábil e malicioso pracista vendedor. Imagine agora o círculo
vicioso: o comerciante às vezes tem mais da metade de seu capital, já de si
insuficiente para acudir aos produtos de lei, imobilizado em produtos de baixa
rotatividade e até em fachadas, ornamentações e decorações e, mais, máquinas ,
vidrarias e enfeites caros e inúteis. Tudo isso feito porque assim lhe
convenceram, uns e outros vendedores desse artigos , que não pensam na desgraça
do comerciante mas na sua própria comissão de vendedor. Com isso, não quero
ofender os que vendem tais artigos, pois, chegada a uma certa posição de
capitalização e diante de um determinado conceito já firmado, é necessário a um
loja melhorar a sua apresentação Mas só então, e não antes disso.
- Nesse caso há erros de parte a parte.
- Exatamente.
Erro de quem inicia sem estar bem entrosado no conhecimento do negócio e se
deixa conduzir e dominar pelas aparências que ele copia de outros. Para esses,
seria necessário que iniciassem com mais humildade e cautela. Erro do fornecedor,
que não procura estudar a capacidade do novo comerciante antes de lhe vender
ou, o que é pior, que não se interessa se o seu produto vai sair ou ficar nas
prateleiras do varejista: o que ele quer é empurrar. Há muita gente honesta de
um lado para outro que é castigada e prejudicada, mas não tenha dúvida que por
culpa da má conduta de outros que estão situados também em ambos os lados.
Enfim, os negócios estão se tornando desumanos.
Despedi-me de meu amigo Zut e saí pensando nas agruras por que já
passou, tendo começado de baixo, enfrentando situação parecidas com aquela
sobre que conversamos, até atingir a posição privilegiada que ora ocupa no
comércio de bazares: experiência adquirida pouco a pouco, a princípio
lentamente nos seus pequenos negócio e hoje, perfeitamente entrosado , já
podendo transmiti-la, como vem fazendo, aos seus sucessores.
Maktub! Estava escrito por Alah que haveria de ser assim.
Texto de autoria do Dr José Lemos de Sant" Ana, médico, empresário, escritor
Digitado por Luzanira Fernandes
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